A Ordem pronuncia-se sobre o debate no comunicado que segue.
De um modo geral concordamos com a simplificação de procedimentos mas queremos mais direito à informação.
E queremos também uma nova lei dos solos.
O risco é que a simplificação anunciada faça aumentar ainda mais as desigualdades decorrentes de decisões administrativas sobre o território.
O caso mais grave é o dos PIN que são decididos só entre governo e autarquias.
Não chega.
COMUNICADO
COMUNICADO
A Ordem dos Arquitectos congratula-se com as reformas hoje anunciadas pelo Primeiro Ministro no Parlamento, nomeadamente a reforma do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial e do regime jurídico da urbanização e edificação, no sentido de reforçar a responsabilidade de municípios e técnicos, de simplificar procedimentos e de agravar sanções em caso de incumprimento.
Há muito tempo que defendemos a desburocratização de procedimentos e práticas que persistem e que derivam de uma visão policial e desconfiada do planeamento. Precisamos de uma nova atitude que valorize o desenvolvimento do país e a utilização estratégica dos seus recursos, entre os quais o próprio território, que não pode deixar de ser considerado um bem comum.
Queremos no entanto alertar para quatro questões:
1. O planeamento do território não é neutro. As decisões administrativas que mudam a vocação ou ocupação do solo traduzem-se em mudanças de valor muito relevantes. Sempre que um solo deixa de ser agrícola ou natural para passar a ser edificável, o seu valor multiplica-se exponencialmente. Sempre que se aumenta a quantidade de construção autorizada para um terreno, o seu proprietário enriquece, mesmo que não construa nada. O enriquecimento de alguns à custa de decisões administrativas sobre o território tem uma expressão económica muito elevada. Entre 1985 e 2000, 55.000 hectares de solo natural foram transformados, em Portugal, em construção privada. A valorização média desses terrenos representou 110 mil milhões de euros, ou seja, uma média anual de 4,7% do PIB de 2006. A simplificação de procedimentos não pode ser feita ignorando estas realidades e sem qualquer articulação com o regime fiscal e com as finanças locais.
2. É por isso insuficiente reformar os regimes jurídicos anunciados. É indispensável e urgente uma reforma da lei de solos, que data de 1976 e que tem de responder aos novos desafios e às novas pressões que hoje se fazem sentir sobre o território. É preciso criar mecanismos que permitam ao Estado e às autarquias desempenharem o seu papel regulador, num tempo de grande concentração financeira e imobiliária e quando em Portugal dois terços do território são “áreas críticas”, em grave perda populacional. É também essencial tornar operativos os mecanismos, já previstos na lei, de compensação dos benefícios e encargos gerados pelos planos.
3. A questão dos projectos PIN também não pode dissociar-se das suas consequências sobre o território. A classificação pelo governo de um projecto empresarial como projecto PIN não pode deixar de respeitar os direitos de informação e participação dos cidadãos consagrados na Constituição. Ou seja: não basta ouvir a câmara municipal envolvida, é necessário ouvir, pelo menos, todos os partidos presentes na Assembleia. E devia ser também dada oportunidade aos cidadãos para se pronunciar, sob pena de a classificação PIN ser utilizada, como já foi, para curto-circuitar o ordenamento territorial e criar novas desigualdades dos cidadãos perante a lei. Uma coisa é isentar de licenciamento pequenas obras, que têm pequena expressão económica e em que o interesse particular não afecta o interesse geral. É uma democratização com a qual concordamos e que vai no sentido de uma das propostas de alteração que fizemos à proposta de lei nº166/X ( novo regime de qualificação e responsabilização dos técnicos ) que vai ser debatida no hemiciclo no próximo dia 20. Outra coisa é diminuir o escrutínio sobre grandes projectos que alteram o território com procedimentos que favorecem o grande promotor em prejuízo de todos os pequenos. Estas decisões não podem fugir ao dever de informação. Os benefícios delas decorrentes para o promotor devem ser quantificados e tornados públicos.
4. Finalmente, é sabido que a construção de grandes obras públicas conduz à valorização dos terrenos envolventes, apesar de os respectivos proprietários em nada terem contribuído para o efeito. Por isso foram tomadas, no passado, medidas fiscais extraordinárias para sujeitar a imposto especial os terrenos abrangidos por mais valias urbanísticas geradas por grandes obras públicas. Alertamos para a urgência de o governo lançar um imposto especial sobre os terrenos envolventes do futuro aeroporto da Ota, independentemente da polémica sobre a sua construção. O simples anúncio da intenção de fazer um aeroporto na Ota já está a provocar uma hiper-valorização desses terrenos. Urge prevenir o enriquecimento ilícito que daí possa vir a decorrer.
A Ordem dos Arquitectos está, como sempre, disponível, para participar nas reformas anunciadas no licenciamento, na gestão urbanística e no planeamento territorial. Temos uma larga experiência em todo o país e muitos anos de debate e reflexão sobre estas matérias. A defesa do território como um recurso nacional é uma das nossas mais altas prioridades estratégicas. Iremos a curto prazo, e dando cumprimento a deliberações do nosso congresso, propor medidas legislativas concretas para prevenir a corrupção e o tráfico de influências na gestão urbanística e para garantir o dever de informação.
Sempre que o Estado ou as câmaras autorizam construção, estão a produzir uma espécie de “nova moeda”, que se traduz no enriquecimento de alguns e no empobrecimento de outros. Não basta por isso simplificar procedimentos. É tempo de o Estado desempenhar o seu papel regulador, através da política de solos, do ordenamento do território, da política fiscal, das finanças locais e da política penal, corrigindo de forma eficaz as desigualdades geradas por decisões administrativas que afectam o uso do território.
A Presidente da Ordem dos Arquitectos
Helena Roseta
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