sexta-feira, 25 de maio de 2007

Quando uma autarquia procede à requalificação de terrenos deveria ser obrigada a elaborar um mapa onde se refira a valorização ou desvalorização ...












Sexta-feira, Maio 25, 2007

Exemplo de cidadania

[publicado no Diário de Aveiro, 25 de Maio de 2006]

No passado sábado realizou-se a primeira Conferência Nacional sobre Política de Solos, organizado pelo Movimento de Cidadãos da Várzea da Moita. A iniciativa reuniu várias activistas, docentes, investigadores e técnicos de diversas áreas; e políticos das várias correntes, mesmo das que não tem assentam parlamentar. A convite da organização participei na conferência com uma apresentação intitulada “Mais-Valias Urbanísticas: o negócio que caiu do céu”.

A Conferência foi despoletada pela revisão do Plano Director Municipal da Moita que se encontra em curso. A proposta da autarquia comunista (único partido que se recusou a participar na conferência) prevê que terrenos actualmente em Reserva Ecológica Nacional (REN) sejam classificados de urbanos, atentando contra o ordenamento e paisagem do território. Para compensar, terrenos classificados como Reserva Agrícola Nacional (RAN) passariam a ter estatuto de REN. Os terrenos “ecológicos” continuariam com a mesma área, mas seria puro engano, nenhum ganho ecológico se obteria já que os terrenos da RAN desempenham também uma função ambiental; pelo contrário solo “ecológico” seria entregue ao betão. Este solo “ecológico” urbanizado geraria uma exorbitante riqueza para os seus proprietários, ao passo que proprietários agrícolas teriam que cessar a sua actividade com a classificação de REN aos seus terrenos. A fortuna para uns, o infortúnio para outros.

Este movimento de cidadãos – que começou esta luta simples e localizada – polarizou esforços e gerou a discussão abrangente a nível nacional. Com a actual legislação, a mais-valia gerada por um acto administrativo de uma autarquia é entregue totalmente ao proprietário do terreno, sem que este tenha produzido nada e sendo que o solo continua exactamente igual. Como uma simples assinatura pode valer uma valorização até 20.000% os decisores técnicos e políticos são lançados num circo de feras, sujeitos às mais variadas pressões.

Na Conferência da Moita, um dos pontos consensuais da análise é que a actual situação não serve os cidadãos nem o país e que potencia a corrupção. Contudo, e apesar da presença de vários deputados (incluindo da bancada maioritária na Assembleia da República), continua a apenas existir um único projecto-lei sobre o tema, apresentado no início deste ano e ainda em discussão. Trata-se do projecto-lei do Bloco de Esquerda relativo à retenção pública das mais-valias urbanísticas. Não basta a lamúria, impõe-se que quem tem o poder legislativo seja consequente.

O exercício da cidadania e a participação do cidadão na decisão política é essencial. No caso da política de solos o seu envolvimento deve ser tanto maior, uma vez que é a qualidade de vida e o interesse colectivo que estão em jogo. Dado o passo de partida impõe-se continuar a caminhada a nível legislativo e de cidadania. Para além do projecto-lei acima referido, urge tornar o processo decisório mais transparente.

Em primeiro, quando uma autarquia procede à requalificação de terrenos deveria ser obrigada a elaborar um mapa onde se refira a valorização ou desvalorização que cada parcela sofre com essa alteração administrativa.

Em segundo lugar, o registo da transferência da posse dos terrenos deveria ser público. A autarquia deveria deter e disponibilizar o histórico de aquisições de cada parcela nomeadamente informação sobre os proprietários, os preços de compra, conjugando estes dados com a data e valorização provocada por qualquer alteração do estatuto das parcelas.

Em terceiro, a nível de exercício da cidadania, deveria ser criado um mapa da especulação semelhante ao que a organização Ecologistas en Acción dispõe para o território espanhol. Este mapa disponível na Internet tem como missão denunciar publicamente casos de especulação imobiliária que atentam contra o interesse público, contendo informação sobre a sua localização, do estado do projecto, dos seus danos ambientais e sociais e o relato da intervenção de cidadania sobre o caso.

Etiquetas: Artigos publicados, cidadania, democracia participativa, política de solos

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