quarta-feira, 23 de maio de 2007

Quando uma iniciativa de cidadãos congrega tanta gente de outras tantas origens e sensibilidades...é motivo de grande esperança.










"Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida e Projecto da Mata de Sesimbra: dois casos de Ordenamento do Território e Cidadania ", oração à Conferência da Moita por Rui Passos, Arquitecto, Fundador e dirigente da Associação P'la Arrábida

Quero portanto começar com uma boa noticia !

Algo está a mudar em Portugal !

Quando uma iniciativa de cidadãos congrega tanta gente de outras tantas origens e sensibilidades, prontas a trocar as suas ideias e a dialogar sobre esta questão, tão determinante do nosso futuro colectivo , como é o ordenamento do território, é motivo de grande esperança.

Se a isto somar-mos o que se está a passar actualmente nos partidos políticos , nas autarquias, nos movimentos dos cidadãos e na justiça , faz-nos acreditar que somos capazes de mudar e de contribuir para uma melhoria da qualidade da nossa democracia.

Permitam-me recordar uma grande Portuguesa , Maria de Lourdes Pintassilgo, que quando ainda fervilhavam os dogmas e paradigmas das grandes correntes ideológicas ela afirmava que os movimentos dos cidadãos , fossem eles “single issue” ou não, seriam capazes de gerar dialogo transversal nas sociedades e serem ao mesmo tempo motor de renovação e de aprofundamento da democracia.

Há muito que acredito que é sempre possível construir pontes e consensos sobre grandes temas, capazes de forma mobilizadora transportarem grande capacidade de transformação das sociedades.

Julgo e acredito que é isso que estamos aqui a construir.

È por isso que aqui estou, e vos quero trazer hoje dois casos de cidadania em que me envolvi e onde comprovei a importância do exercício da mesma!

  1. A nossa realidade local vs. Nacional


De facto estamos numa região de certa forma paradigma de alguns dos debates que mais têm envolvido aqueles que quer decisores quer cidadãos comuns, atentos e participadores da realidade nacional, têm feito gastar mais tinta e “tempos de antena” em Portugal.

E quais são esses debates:

    1. O papel do poder Autárquico e o balanço da sua actuação passados mais de 30 anos de democracia.

    1. A defesa do ambiente e o desenvolvimento sustentado

    1. A cidadania e o participação crescente dos cidadãos enquanto destinatários das politicas e actuações dos diferentes poderes.


Mas vamos por partes

No pós 25 Abril, o Poder Autárquico com poucos meios e ainda com estruturas e legislação insuficientes, criou por ventura um dos maiores sucessos da então Jovem Democracia , julgo que existe sobres isso uma grande unanimidade .

Mas passados os anos “do servir” do criar de infra - estruturas – do resolver o deficit habitacional , hoje estamos perante novos caminhos e desafios e em simultâneo podemos olhar para trás e ver claramente onde se errou.

Hoje o poder autárquico, baseado como está, e ainda, na quase exclusividade das estruturas partidárias (eu sou daqueles que pensam que os partidos são um pilar fundamental da democracia) revelam novas e preocupantes praticas de eternização de poder, de compadrios de trafico de influências e sobretudo e talvez o mais grave, submissões a interesses de mercado não por razões desenvolvimentistas , mas como caminho fácil de sustentação e suporte económico ás próprias estruturas e “nomenclaturas” locais.

As oposições não existem porque estão agarradas a compromissos e a concessões mesquinhas, que vão desde o assessor até àquele favor que sempre se consegue quando não se questiona nada.

È obvio que este desvirtuamento acarreta “preços” que demorará gerações a corrigir.

Assim a cidadania surge como elemento fundamental de exigência, cujo papel crescente levará a um aprofundamento da democracia e a uma maior qualidade de vida.

Sim a qualidade de vida está intimamente ligada á qualidade da nossa democracia, e o Ordenamento do Território será nas próximas décadas fundamental na construção do nosso futuro colectivo.

Não podemos pensar que isso é um papel reservado a Técnicos Autarcas e Mercado, NÃO! O ordenamento do território, as decisões sobre instrumentos estratégicos reguladores, da economia da sociedade, é parte integrante das nossas escolhas e deverão ser por todos discutidas e participadas.

Nesta região o poder autárquico tem sido bastante estável nos últimas 3 décadas o que permitiria actuações estratégicas conjuntas, nem que fosse nas infra-estruturas. Mas não!.... o resultado não é esse, e é péssimo. Basta ver as terras de ninguém que são as estradas nas fronteiras dos concelhos para perceber como vivem de costas voltadas.

Não foram capazes de se entender nas acessibilidades, muito menos no desenvolvimento estratégico e geraram apenas com grande sucesso, vastas áreas suburbanas com má qualidade urbanística e arquitectónica caldo de cultura marginal onde pululam os problemas de inserção e se agravam as diferenças sociais.

È tão grave este cenário que consegue abafar o que muito de positivo foi conseguido nomeadamente no número de habitações ou no saneamento.

A incapacidade das autarquias da região de terem um papel orientador e regulador transformou-as de forma grave em facilitadores do loteamento em qualquer sitio a qualquer preço.

Hoje estas autarquias não têm qualquer estratégia e limitam-se a seguir as iniciativas do mercado, numa politica casuística, convencidas que crescer é desenvolver.

O facto de terem sido geridas sempre á espera das verbas do Orçamento do Estado e Fundos Europeus com endividamentos muito superiores á sua capacidade, levaram que todos estes conselhos estejam em situação de falência ou quase falência, agravando a sua dependência face ao Imobiliário e vendo nessa actividade a sua salvação financeira.

A prioridade é a requalificação e a reabilitação

Estes concelhos e sobretudo o de Sesimbra, foram assolados na década de 70 e 80 do século passado pelos fenómenos do loteamento clandestino, as celebres vendas de parcelas em Avos , que foram vendidas profusamente aos nossos emigrantes , e que resultaram nas Qtas. do Conde do nosso descontentamento !.

Mas também a destruição de zonas onde a natureza deveria ter sido defendida como a envolvente de áreas lagunares ou as Arribas, estas com atentados bem mais recentes como é o tristemente celebre empreendimento da Praia da Califórnia, que já é ex-libris dos programas televisivos sobre o “ao que isto chegou” !

De facto Sesimbra neste aspecto do ordenamento não é recordada como bom exemplo… e o resultado está á vista, basta afastarmo-nos uns metros na linha de costa e ver… e questionarmo-nos como foi possível?

Mas quando pensávamos que o resultado faria inverter politicas e estratégias, parece que ainda não estão satisfeitos !

Quando a palavra de acção seria requalificar e reabilitar falam-nos em densificar em crescer em destruir mais zonas naturais.












E nisso são coerentes e consistentes como a seguir vos tentarei explicitar, nos dois casos de ordenamento do território POPNA e Mata de Sesimbra.


POPNA

O Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida, instrumento de ordenamento do território que submete os PDM’s de 3 concelhos (Sesimbra, Setúbal e Palmela) foi aprovado e publicado em 2005 pelo actual Governo da Republica.

Esta aprovação culminou um período de grande convulsão e participação activa dos cidadãos naquele que porventura foi o mais discutido e contestado Plano de Ordenamento depois do 25 de Abril.

Documento ansiado há mais de 30 anos e de grande importância no ordenamento de uma região, deveria ter sido motivo de orgulho e de grande satisfação para quem o levou a cabo e promulgou …. Mas tal não aconteceu, até estavam envergonhados!!

Recordamos as declarações do Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território que afirmou …. Mais vale um mau Plano que não ter Plano nenhum! … ou ainda no texto de apresentação para promulgação em que diz que este Plano de Ordenamento será de custo zero para o Estado !!!

De facto este Governante tinha razão … Este é um mau Plano, mas o custo para a Natureza e do para o desenvolvimento sustentável não é Zero como afirmou…e sobretudo para as populações, proprietários e todos os que vivendo e labutando no PN , contribuíram e contribuem para que ele ainda exista e para a sua defesa !

Quando em 2002 um pequeno grupo de cidadãos de 3 concelhos resolveu envolver-se no debate sobre o POPNA estavam longe de pensar que iriam levar á maior contestação de um Plano de Ordenamento, mas também á chamada de atenção dos poderes públicos , nacionais e autárquicos , para uma realidade que até aí nunca se tinham defrontado, …a participação viva dos cidadãos na elaboração e discussão de um Plano de Ordenamento do Território.

Tudo tinha sido feito até á data “á sombra” de uma comissão de acompanhamento de uns tantos técnicos e de documentos tão vetustos (alguns com mais de 20 anos ) .

Negociaram a régua e esquadro a classificação de solos, todos e mais um compromissos, (nomeadamente pretensos direitos adquiridos de urbanização) esqueceram-se foi …da realidade económica e cultural, do regime de propriedade , de que estavam perante uma área protegida mas… habitada, com actividades económicas , com proprietários enfim viva.

Entregaram a pesca artesanal em troca de concessões para construção em áreas de protecção á reserva natural, coabitaram, e aceitaram como inevitáveis as chagas ambientais e paisagísticas que são a cimente ira e as pedreiras! Tudo num imenso caldo negociado, que teria um fim edílico não fosse a contestação cívica e participada de milhares de cidadãos .

Fizeram-se reuniões abaixo assinados, todo um movimento que não tendo terminado da melhor maneira alterou em muito as regras de actuação até então.

As autarquias dos 3 concelhos, não perceberam, durante a contestação cada vez mais viva dos cidadãos, olharam para o lado e assobiaram, só acordaram para a contestação já ela ia na rua, e agora…. choram lágrimas de crocodilo !

De facto foram tarde porque estavam preocupadas com outras prioridades … os loteamentos dentro do parque natural, as autorizações de construção nas zonas de protecção complementar e outras coisas “importantes”

A vitivinicultura, o queijo de Azeitão, e escândalo dos escândalos! a entrega de uma actividade ancestral ,matriz identificadora de uma região, como é a Pesca Artesanal ou a restrição discricionária dos direitos dos proprietários,.. isso, foi tudo esquecido.

Agarram-se agora, á batalha serôdia da Concentração , aqueles mesmos que meses antes andavam de mão dada com a Secil a patrocinar a ridícula candidatura da Arrábida a Património Natural Mundial , ao mesmo tempo que sancionavam os testes de Co-inceneração.

È bom dizer-se que a Arrábida é exactamente a mesma antes e depois da Co-inceneração , por ventura a 8.ª fabrica mais poluente de Portugal estará agora mais controlada e vigiada , do que, quando com o beneplácito das autarquias ,queimava Pneus e Farinhas contaminadas com a Doença das Vacas Loucas.

Mas será que Arrábida vai ser melhor mais bem protegida com este Plano? Enfim agora existe pelo menos um regulamento legal conhecido de todos, e as denúncias da população têm obrigado a uma redução da actuação iníqua e muitas vezes corrupta daqueles que tinham na sua mão a gestão e controlo do PNA.

As denuncias dos cidadãos durante a discussão Publica do POPNA, forçaram uma sindicância e posterior inquérito da IGA que levaram ao levantamento de vários processo disciplinares de funcionários locais do ICN, á exoneração de responsáveis e á conclusão que em apenas 4 anos estes tinham licenciado irregularmente mais de 300 autorizações de construção.

Mas as chagas lá continuam! (cimenteira e Pedreiras) sem nenhuma medida cautelar ou estratégica para o seu fim e favorece-se agora o emparcelamento nas faixas de protecção complementar, que agravarão o abandono e substituição das populações autóctones. Mas que decerto gerarão “óptimas mais valias”, no futuro para quem queira comprar as pequenas courelas, no perímetro do PNA, que durante gerações foram passadas de pais para filhos.

Os cidadãos dos 3 concelhos contestaram este Plano, não o aceitaram mas sempre afirmaram que desejavam um Plano de Ordenamento que protegesse os valores Naturais em harmonia com a actividade humana, onde o Estado enquanto representante do interesse publico regulasse e investisse na sua protecção e valorização, sabendo que a primeira linha de defesa da Arrábida, sempre foi e deveria continuar a ser feita por aqueles que lá vivem e trabalham.

Mas este plano ao contrario favorece intervenções exógenas, loteamentos dentro do parque natural, protege e institucionaliza os agentes mais perturbadores dos habitats, como a Industria Extractiva de Inertes e Cimenteira, ao mesmo tempo que de forma injustificada e iníqua persegue as populações e as suas actividades .

Resta continuar a lutar pela sua revisão, por um documento que produza os instrumentos capazes de valorizar o solo com valores naturais e paisagísticos, financiando e compensando os seus proprietários para a sua manutenção e defesa, eliminando áreas urbanas e loteamentos dentro do PN, estabelecendo medidas cautelares que conduzam ao fim das chagas ambientais (Pedreiras e Cimenteira) obrigando á requalificação ambiental das áreas onde se inserem e inviabilizando qualquer pretensão ou direito de uso para outros fins que não sejam a recomposição dos habitats naturais.

Recordo que quase todos os Partidos Políticos prometeram isto em campanhas eleitorais.

O segundo caso é o famigerado Plano de Pormenor da Mata de Sesimbra, este assunto ainda está na ordem do dia e longe do seu terminus.

Nascido com o álibi de Isaltino de Morais, de resolver a indemnização dos promotores do empreendimento do Meco , pelos pretensos direitos adquiridos destes.

Sem querer aqui desenvolver agora aquilo que são as nossas convicções das inúmeras ilegalidades subjacentes a este processo, julgo, no entanto importante ler-vos um paragrafo da contestação de um grupo de cidadãos entre os quais me incluo :

…O Plano de Pormenor em discussão pública foi imposto pelo Acordo firmado entre o ex-ministro Isaltino Morais, a Câmara Municipal de Sesimbra, a promotora turística Aldeia do Meco e a imobiliária Pelicano. Não resulta, portanto, de uma acção de ordenamento do território patrocinada pelo interesse público. Esta operação trata-se, por isso, da apropriação por um grupo económico das mais-valias resultantes de uma alteração avulsa do uso do solo.

O Acordo esquece, esconde, afirma sem provar, permite que alguns signatários actuem sem poderes para tal, desrespeita Organismos que a Lei exige que participem, prejudica gravemente o Estado e o município de Sesimbra, em benefício de várias sociedades privadas…

De uma fase inicial, de vitimas inconsoláveis, da situação os executivos autárquicos passaram a entusiastas defensores.

A afectação de uma vasta área natural para um loteamento para albergar 70 000 pessoas num concelho que tem hoje 40 000 sem nenhum suporte estratégico de desenvolvimento ou enquadramento regional é um dos maiores atentados de todos que já temos visto , e infelizmente já vimos alguns, no ordenamento desta região.

Digo região e não concelho, porque esta escala de intervenção tem que ser vista á escala regional.

Sabemos, pelos pareceres alguns deles vinculativos, de entidades publicas como a CCDR, alias sonegados á população, na já celebre encenação de discussão publica, que a proposta que foi apresentada como definitiva, afinal não o é e que tal com está não tem pés para andar.

    • Já sabíamos que ao contrario do que foi propalado durante campanhas eleitorais, que tal projecto violava até o actual e muito permissivo PDM.

    • Sabíamos da questionável credibilidade dos actores, e do rasto de que têm deixado no seu historial.

    • Sabíamos que nem viagens a Londres convenceram mediáticos representantes de organizações ambientalistas.

    • Sabemos que importantes figuras nacionais já vieram á praça pública denunciar mais este monstro.

    • Sabemos como não existe sustentabilidade para as megalómanas infra estruturas necessárias a este mega loteamento.

    • Sabemos também que os dinheiros públicos necessários para viabilizar este monstro inviabilizariam muitos investimentos públicos prioritários na região.


    • Já sabíamos que é da nossa historia recente que as autarquias navegam á vista, a reboque casuístico das iniciativas de mercado , e que a sua lógica desenvolvimentistas é apenas crescer a qualquer preço.

    • Sabemos que os autarcas do concelho de Sesimbra, incluindo aqueles que publicamente se afirmam escandalizados com os crescentes e quase “pornográficos” lucros da banca, em tempos de crise económica, e que uma boa parte desse lucros se fundamenta na especulação imobiliária, são exactamente os mesmos que defendem com unhas e dentes este monstro




È a lógica EUROMILHÔES, todo o português que se preze espera pacientemente a resolução dos seus problemas pela obtenção do numero redentor ! Ele há autarcas que á falta de um trabalho consistente, estratégico e participado esperam a descoberta de um qualquer “el dorado” capaz de inverter a calamitosa situação em que se encontram!

Essa lógica é possível por uma inadequada legislação sobre mais valias e classificação de solos , que permite remunerar exponencialmente o m2 de solo que passa por artes magicas de rural a urbano!

Mas daí até toda a politica de ordenamento estar refém de uma intervenção especulativa no território e de submeter o interesse colectivo a esses interesses é que é muito grave.

Finalizando

Esta forma de gerir o território está podre e os resultados estão á vista, as autarquias estão mal e o território está pior.

Tanto neste caso (mata de Sesimbra) como no anterior (POPNA), a participação activa dos cidadãos, tem sido absolutamente fundamental para questionar os poderes locais e central quanto ás politicas de ordenamento do território.

Então que caminhos

Pensar o ordenamento do território á escala da Região ,

Falar aqui sobre os autarcas entre o Tejo e Sado

(nenhum município pode comprometer o concelho vizinho apenas porque foi mais lesto ou tem melhores “amigos” no poder central.)

Definir metas e estratégias com amplas discussões com os cidadãos, protagonistas económicos e culturais, sabendo que a protecção da natureza , dos valores culturais e do desenvolvimento sustentado terá sempre como prioridade a requalificação e a reabilitação .

Muito Obrigado

1 comentário:

Mário da Silva disse...

Nada! Esta conferência não existiu. Toda a Verdade aqui.

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