Atenção ao tipo em pé à direita: é o homem com "as ligações certas" no urbanismo!
Artigo surgido no Jornal Avante (PCP) é demolidor das manobras aqui e acolá de grande confusão entre interesses públicos e privados, com muito amanhanço pessoal à mistura, em torno da errada Política dos Solos, da indecência das Mais-valias Urbanísticas e do mais completo tripudiar contra o Ordenamento do Território no nosso Portugal
por Manuel Augusto Araújo
In Avante, Órgão Oficial do Partido Comunista Português
Os negócios proporcionados pela construção civil e pelo imobiliário ultrapassam o imaginável. Em poucos anos empresas têm lucros fabulosos por vezes sem terem produzido o que quer que seja. Recorde-se os recentes negócios em volta do Parque Mayer, dos terrenos na Expo ou em Telheiras onde terrenos onde não era previsto construir, portanto quase sem valor, acabaram a ser ocupados por grandes blocos edificados, valorizando-os brutalmente. Há desde empresas mediáticas como a Bragaparques a quase desconhecidos empreendedores como o que há uns tempos atrás, um jornal dito de referência assinalava como um dos homens mais ricos de Portugal, que tinha obtido os seus grossos cabedais em negócios de compra de terrenos de pouco valor acrescentado que subitamente adquiriam fabulosas mais valias por alteração do seu valor de uso. Homens e empresas que fazem chover dinheiro!
Faz-se dinheiro, muito dinheiro, com o caos urbanístico do país. Loteiam-se e urbanizam-se terrenos a torto e a direito e estão devolutas centenas de milhares de habitações. Atira-se para o abandono mais de um terço do espaço agro-florestal, continua-se a autorizar o aumento do terreno urbanizável, empreendimentos turísticos em zonas protegidas, etc. É a especulação desenfreada do território, um bem limitado e frágil, com cobertura legal o que não deixa de ser imoral e, em muitos casos, ter um fortíssimo travo de corrupção, de favorecimento ilegítimo quando, por alteração de valor de uso ou de índices de ocupação o mesmo terreno passa, do dia para a noite, a valer 5 000, 10 000, 20 000 vezes mais. Negócios da china? Não, negócios da nossa terra.
Combater a corrupção
Um exemplo abstracto para melhor se entender o que está em causa: um terreno pode valer 0, se for classificado como reserva natural integral, ter um valor no mercado de € 5000/hectare se for terreno agrícola ou € 1 000 000/hectare se for urbanizável.
É evidente que lucros deste jaez em que, de uma penada, um pedaço de terra se transforma em ouro quase por passe alquímico, dão margem para todas as traficâncias que, mesmo não existindo, são sempre possíveis com a extrema agravante do que deveriam ser instrumentos de racionalização do uso dos solos, os planos de ordenamento do território, puderem acabar por ser instrumentos para viabilizar negociatas obscuras. O uso do solo é alterável. Muda com o tempo e as alterações dos modos de vida. São alterações que têm que ser cuidadosamente pensadas, sujeitas a um planeamento urbanístico ponderado, conciso e democraticamente transparente. Não há actividades neutras ou meramente técnicas e o urbanismo é uma das mais frágeis, sabendo-se que é uma das áreas de frente para a circulação de capitais e lavagem de dinheiro à escala global.
Não deixa de ser inquietante verificar que, em Portugal, o acréscimo dos espaços urbanos inscritos na generalidade dos PDM’s é feito na base de previsões totalmente irrealistas de crescimento população residente. Somem-se essas previsões. Em dez anos, o prazo de vigência do PDM, a população de Portugal triplicava. Os valores que se encontram nas estatísticas são estarrecedores. Dos mais irrealistas, um concelho que teve uma quebra populacional de 4,5% prevê um aumento de áreas urbanísticas de 285% aos mais voluntaristas, um concelho que teve um crescimento populacional de 11,15% prevê um acréscimo de áreas urbanas da ordem dos 115%. Numa década o terreno urbanizável cresceu quase 45%. (1) Isto só é explicável pelo grande negócio que é a transformação de solo agrícola ou outro em solo urbanizável. As margens de lucro brutais podem deixar os terrenos ficar expectantes durante anos e anos. Não é claro que estes PDM’s deveriam ser reprovados? Estão em vigor o que não abona a favor nem de quem os encomenda, nem de quem os elabora, nem quem os aprova. Terreno pantanoso em que já quase não se distingue o que é importância do que é cumplicidade dos poderes públicos.
A mão ou as mãos determinantes no fazer essa riqueza súbita devem estar acima de qualquer suspeição. As razões que determinam essas decisões devem estar, na medida em que o podem estar, acima de qualquer suspeita. No entanto são inúmeros os casos, de valor e tipo muito desigual, em que o véu de dúvidas paira sobre decisões do poder autárquico, do poder central viabilizando a torto e a direito urbanizações, caucionando regimes de excepção.
É um elementar exercício de bom senso e de transparência democrática não deixar que essas suspeições permaneçam sem serem escrutinadas. Deveria o estado dispor dos instrumentos necessários para averiguar rapidamente os casos de enriquecimento, dos pequenos aos grandes enriquecimentos, a dimensão não é o factor determinante na corrupção. Estar atento e mostrar firmeza na averiguação do que pode descredibilizar os políticos e a política. A política não é a mesma mó, os políticos não são todos iguais. Não o quer assim Sócrates e o PS a seu mando. O nervosismo insultuoso com que atacou uma lei anticorrupão, o afã com que não deixa legislar de modo a atacar claramente a corrupão deve provocar um sobressalto, uma inquietação e legítimas interrogações. Essa gente sabe o que anda a fazer. Sabem que atacar a corrupção não se faz com poses de opereta, indignações de banha da cobra. É um mau exemplo, um incentivo a que este estado de coisas se mantenha quase inalterado, enquanto não se ataca a raiz do problema alterando as leis que regem o ordenamento do território para que não seja legal a depredação do território, um bem fisicamente circunscrito e dificilmente regenerável depois de agredido.
Mais-valias
Uma questão central
Mesmo com leis que previnam a corrupção atacando decididamente quem rapidamente enriquece, sobretudo quem, ocupando cargos públicos onde a isenção deve ser exemplar, fica subitamente com os bolsos cheios ou os enche com parcimónia cautelar sem descurar de os rechear lautamente, dever-se-ia dar prioridade ao ataque a estas gordas mais-valias que alimentam a corrupção e a vandalização do território.
O emaranhado de leis que estendem os seus tentáculos para as sugar é caso singular na Europa. Não há planeamento por melhor que seja que consiga proteger o território da sofreguidão devastadora promovida pelo lucro brutal que se obtém ou por alteração da classificação do solo ou por alteração dos índices de construção.
Retornando um caso com uma empresa inicialmente referida, a sucessiva alteração de índices de construção no Parque Mayer, valorizou o terreno de 13 milhões para 60 milhões de euros. A última versão reduziu, até ver, o índice de construção. O valor da avaliação baixou nominalmente mas não baixou realmente porque o proprietário, a Bragaparques, tem do seu lado outra famigerada lei, a dos direitos adquiridos. Em apenas seis anos, um pedaço de terreno olhado à escala 1/200, num papel onde se riscam intenções, estudos, anteprojectos, é uma máquina de fazer dinheiro. Em números redondos 8 milhões de euros por ano, 650 mil por mês, 1800 por dia, mais de três salários mínimos. É evidente que para a Bragaparques o Parque Mayer não interessa para nada. Só tinha/tem valor enquanto moeda de troca. Quando o comprou adivinhava, a leitura dos desígnios astrológicos do urbanismo é uma capacidade extraordinária desses empresários, que iria fazer um negócio não qualquer. O resto da história é conhecida e ainda está a correr. Da embrulhada sequente sublinhe-se um dos seus parágrafos ilustrativos das arbitrariedades legais, alegais e ilegais que são uma quase normalidade nestes negócios. Apesar dos ganhos desmesurados garantidos sem nada produzir a voracidade é tal que estando em cima da mesa uma permuta de terrenos Parque Mayer/Entrecampos (ex-Feira Popular), a avaliação do preço/m 2 do terreno em Entrecampos, com acessibilidades raras em qualquer cidade do mundo e localizando-se numa nova centralidade de Lisboa, é inferior ao do terreno altamente condicionado do Parque Mayer. Um escândalo que até pode ter cobertura legal, o que ainda deve provocar maior indignação. É mais uma das imoralidades trazidas pela violenta ventania da especulação imobiliária que ciclonicamente atravessa todo o país desde que, em 1965, se legalizou a privatização integral dos processos de urbanização e loteamento dos solos. Os resultados, abençoada iniciativa privada, é o caos urbanístico visível a olho nu em todo o país à sombra de famigeradas leis que nem o 25 de Abril alterou.
Não há remédio? Há e é bem simples! O primeiro é fazer reverter integralmente para o Estado as mais valias geradas por alteração de uso do solo ou por alteração de índices de construção, acabando de vez com o milagre das chuvas de ouro. A corrupção ficava quase sem meios de sustento e com menor motivação. Corrupção fantasma omnipresente assaltando no silencio pardacento dos gabinetes, corrompendo o ar, longe da praça pública, das colunas dos jornais, procurando uma assertoada legalidade nos planos, nos licenciamentos excepcionais, na panóplia de intervenções de ordenamento do território desenhadas aos mais diversos níveis dos poderes do estado, do autárquico ao central. A segunda era ser a administração pública a assegurar o desenho do ordenamento do território. Estas duas medidas não são dissociáveis. Os efeitos seriam imediatos e o mais imediato seria sobre o preço da habitação que, segundo alguns especialistas, baixaria entre
O não se ter feito nada para acabar ou conter razoavelmente esta situação deve-se à intimidação causada pela campanha desbragada de defesa da propriedade privada à margem de qualquer princípio moral. O ataque à Reforma Agrária é nesse campo exemplar. Descansem essas almas, leiam o insuspeito Stuart Mill: “Suponhamos que existe um género de renda que tende a aumentar valor sem qualquer sacrifício ou esforço da parte dos seus proprietários; esses proprietários constituem uma classe que enriquece passivamente às custas da restante comunidade. Neste caso o Estado não estaria a violar o princípio da propriedade privada se recapturasse esse incremento de riqueza à medida que ela vai surgindo. Isto não constituiria propriamente uma expropriação, mas apenas uma canalização em benefício da sociedade, da riqueza criada pelas circunstâncias colectivas, em lugar de a deixar tornar-se o tesouro imerecido de uma classe particular de cidadãos. Ora este é justamente o caso da renda do solo”. Querem maior clareza?
(1)INE, O País em Números,2004;DGTDU; Relatórios do Estado do Ordenamento do Território de 1993,1995,1997; leia-se Território, Cidade e Alternativa Política, Filipe Diniz, in Caderno Vermelho 13,Setembro 2005; Alterações da Ocupação do Solo
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