Comunicado da Quercus datado de 30 Abril ’07, à luz da qual pode ser lida a intervenção de Carla Graça, representante da Quercus à Conferência da Moita (na mesa, sentada na ponta à direita)
Ordenamento do Território de Mal a Pior
Governo desresponsabiliza-se, facilita alterações avulsas nos PDMs e desprotege mais os solos e aquíferos
No dia 27 de Abril o Primeiro-ministro anunciou no Parlamento que irá haver alterações na legislação relativa a vários instrumentos de ordenamento do território, sob a justificação de pretender simplificar processos, descentralizar e responsabilizar plenamente os municípios na gestão do seu território. Apesar de algumas medidas serem justificadas, a QUERCUS entende que outras, no contexto da prática actual de ordenamento do território, põem ainda mais em risco o solo e os recursos hídricos.
Redução do controlo pelas CCDRs e simplificação de alterações parciais
Os planos municipais de ordenamento do território vão deixar de ser submetidos a ratificação do Conselho de Ministros. De acordo com o Primeiro-Ministro será também «simplificado consideravelmente o procedimento para a alteração parcial de um plano director municipal (PDM)».
Uma das alterações será a de não existir uma Comissão Mista de Coordenação para avaliar essa alteração “parcial”. Isso implica por exemplo que diminuirá ainda mais o controlo sobre a REN e a RAN e sobre a incidência de construção. Ora a Reserva Ecológica Nacional e a Reserva Agrícola Nacional têm estas designações porque foram criadas efectivamente sob uma visão de que são recursos de âmbito nacional, não devendo portanto ficar apenas sob a “plena responsabilização dos municípios na gestão do seu próprio território” como parece desejar o Primeiro-Ministro.
Igualmente, o anunciado fim da obrigatoriedade do acompanhamento pela Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional da elaboração de planos de urbanização e planos de pormenor poderá permitir que as Câmaras possam decidir a seu bel-prazer fazer áreas urbanas e industriais e nalguns casos um conjunto de negócios com especuladores imobiliários, como já acontece, mas de futuro sem fiscalização.
Mais simples e rápido produzir novos atentados ambientais
As alterações parciais podem ser o suficiente para acabar com toda uma zona florestal, por exemplo. O caso recente da nova fábrica do IKEA é exemplificativo dos riscos que esta nova lei representa. Com o antigo enquadramento legal, o Governo teve de se responsabilizar pela desanexação da REN, que acabou por viabilizar um empreendimento que poderia ter sido construído em zona industrial já infra-estruturada. Com esta futura lei torna-se realmente mais simples e rápido produzir novos atentados ambientais.
Participação pública será cada vez mais enfraquecida
Se já existem numerosos processos contra autarcas face à lei vigente, muitos desses atropelos passam a ficar sob o manto protector da legalidade. O impacto de âmbito nacional causado pela recente mobilização de cidadãos num concelho da área metropolitana de Lisboa em torno da revisão do seu Plano Director Municipal, com a desanexação de 395ha de REN, é um exemplo de necessidade de participação pública e de balização das decisões a um nível superior ao municipal.
Solos de Portugal cada vez mais desprotegidos
Tornando as desanexações avulsas mais facilitadas, aumenta o risco sobre solos insubstituíveis, quer ao nível da produção alimentar, quer ao nível da conservação da natureza e controlo de cheias. Um dos efeitos que a falta de bom ordenamento de território tem provocado é o aumento da impermeabilização do solo.
A impermeabilização consiste na cobertura do solo pela construção de habitações, estradas e outras ocupações, reduzindo a superfície do solo disponível para realizar as suas funções, nomeadamente a absorção de águas pluviais. As áreas impermeabilizadas podem ter grande impacte nos solos circundantes por alteração dos padrões de circulação da água e aumento de fragmentação da biodiversidade e seus ecossistemas. As consequências são extremamente prejudiciais para o desenvolvimento sustentável, não apenas para a agricultura e disponibilidade de água doce. Tenha-se presente os efeitos catastróficos da impermeabilização dos solos na periferia dos grandes centros urbanos com a construção efectuada em leitos de cheia de cursos de água, que para além da perda de solos de qualidade, provocam periodicamente acentuados danos para as populações.
Para a QUERCUS, bem como para outras organizações e mesmo para a própria Comissão Europeia, o solo é um bem colectivo e um recurso natural, de amplitude nacional e comunitária, que deve ser protegido e salvaguardado. Numa altura em que a União Europeia se prepara para lançar uma Directiva de Protecção do Solo, é urgente assegurar a correcta utilização do solos para as diversas funções.
Urbanização progressiva de solos da RAN e impactes nos aquíferos
Vários especialistas têm vindo a alertar para o aumento desmedido da urbanização de solos da RAN provocada pela visão de curto prazo dos políticos. O caso de uma Plataforma Logística na bacia do Tejo, em
Mais um passo no caminho da insustentabilidade ambiental
Em Portugal licenciaram-se terrenos urbanos para cerca de 40 milhões de habitantes. A lei das finanças locais e outros factores que permitem a desenfreada corrida para urbanizar, de modo a financiar as autarquias – cujos governantes têm inclusive um salário proporcional à população dos seus Concelhos – traçam a base para um quadro geral de insustentabilidade, que obviamente terá um limite.
Do país vizinho vem-nos um alerta com o começo do que os analistas temiam: a paragem do sector imobiliário ou o desmembramento da “bolha” especulativa
Para o primeiro-ministro «a reforma do licenciamento e do planeamento é central para o dinamismo das actividades económicas, para a competitividade da economia e para o desenvolvimento do país». Para a QUERCUS também é fundamental que exista um pilar de sustentabilidade económica no processo de desenvolvimento sustentável do país, desde que não comprometa a sustentabilidade dos recursos naturais de Portugal.
Lisboa, 30 de Abril de 2007
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