domingo, 17 de junho de 2007

Um negócio apenas comparável ao do tráfico de droga.

Fonte: Jornal de Notícias.

Ver ainda, por exemplo, aqui.

E não perder, segunda 18 Junho ’07, pelas 1830 HH, aqui.

"Rui Rio já não tira o sono aos grandes interesses instalados"


Também no Porto, um promotor com grande capacidade de influência sobre o poder pode licenciar contra o planeamento, acusa Paulo Morais


Carla Soares, Fernando Timóteo

Antigo vice-presidente da Câmara do Porto e ex-vereador do Urbanismo, segue com atenção o actual Executivo, com um pé dentro e outro fora da política. O tráfico de influências e a corrupção nas autarquias têm sido o grande tema das suas tomadas de posição. Ressentimentos por ter saído da equipa de Rui Rio? O Professor Paulo Morais, diz que não os tem, mas não poupa críticas ao presidente da Câmara.


Um negócio apenas comparável ao do tráfico de droga. É desta forma que Paulo Morais descreve o processo de planeamento e licenciamento nas autarquias, criticando aqueles que, na esfera partidária, fazem fortunas na intermediação entre privados e administração pública. E "por que motivo são os promotores imobiliários e os construtores os grandes financiadores da vida partidária?" As contrapartidas deveriam ser seriamente analisadas, desafia o ex-autarca.



Jornal de Notícias| Tem vindo a denunciar as "trapalhadas" nos pelouros do urbanismo, e o conúbio entre o poder autárquico e os interesses dos directórios partidários. Como se desenvolve, afinal, esta relação?



Paulo Morais| O planeamento e a gestão urbanísticos constituem, hoje, um dos maiores problemas nacionais e um dos maiores cancros da democracia, senão mesmo o maior. É através do urbanismo que se valorizam, à custa de recursos públicos, bens privados de forma quase sempre ilícita. Mais de 90% dos problemas nas autarquias têm a ver com este sector as suspeitas de corrupção, o tráfico de influências e as pressões. A recente queda da Câmara de Lisboa aconteceu porquê? Porque houve trapalhadas no urbanismo. E isto não acontece por acaso. Tem causas que são conhecidas, mas por quem não quer alterar este estado de coisas. Um pelouro do urbanismo deveria fazer o seguinte: planear o território em função do interesse colectivo, licenciar em função desse planeamento e fiscalizar em função do planeamento e do licenciamento.



Não é isso que acontece?

Acontece exactamente o contrário planeia-se num esquema de bolsa de terrenos que valem mais ou menos em função de quem é o seu proprietário. Depois, licencia-se em função de quem é o promotor envolvido. Por último, a fiscalização é uma fraude. Isto faz, por exemplo, com que, de Norte a Sul, as revisões dos planos directores municipais (PDM) não sejam mais do que a alteração da condição de utilização de solo de terreno agrícola para terreno urbanizável. A Autarquia valoriza os terrenos em 40 ou 50 vezes, o que faz com este tipo de negócio só seja comparável, em termos de rentabilidade, ao tráfico de droga em Portugal. E, no urbanismo, o negócio ainda é menos sério.



É pior do que a droga?

Sim, porque as margens são maiores, há uma capa de legalidade que vem branquear todo o negócio e as regras não são claras.



É um mercado paralelo?

É quase uma área de actividade económica. Um Estado que tem a capacidade, através de medidas administrativas, de valorizar, de forma exponencial, património privado, é muito vulnerável e permeável a interesses. E é natural que se crie, à volta da política partidária, um conjunto de pessoas que vive da intermediação entre interesses privados e administração pública. Através de processos eleitorais, de nomeações, das máquinas partidárias, colocam-se na administração pessoas que só estão lá para favorecer os interesses privados, porque são estes que lhes financiam as carreiras e a actividade política. É quase uma questão de gratidão.



Quem são o traficante, o intermediário e o consumidor?

O bem traficado é o território, o património e tudo o que é infra-estrutura e ambiente. Os traficantes são quem, na administração, nos partidos ou nessa esfera de influência, desenvolve a sua actividade no sentido de transferir bens públicos para a mão de privados, os tais interesses instalados que dominam o nosso regime



São dirigentes partidários?

Em Portugal, estamos a falar de todo o sistema. É um cancro. E podemos dividir isto em duas matérias administração local e administração central. O urbanismo tem mais a ver com a primeira. Um terreno pode ser transformado, numa manobra de planeamento, num local onde se pode edificar. Depois, com a assessoria de certos gabinetes de advogados, pode, eventualmente, licenciar-se para além do planeamento. Um promotor com grande capacidade de influência sobre o poder pode licenciar o que o planeamento não permite, como tem acontecido ao longo deste país e também no Porto. E pode diminuir a capacidade de intervenção da fiscalização.



Como inverter a situação?

Bastaria um planeamento simples, que não deixasse dúvidas; um licenciamento que fosse meramente administrativo e uma fiscalização que fosse aleatória. Ou seja, todos nós poderíamos ser fiscalizados e isso permitiria que o processo fosse mais sério.



Quem são, exactamente, os beneficiários?

São, claramente, os promotores imobiliários que têm capacidade de influência sobre as autarquias. Por que motivo são os promotores imobiliários e os construtores os grandes financiadores da vida partidária? Naturalmente que querem alguma coisa em troca. Por que ninguém analisa quais são as contrapartidas destes financiamentos? E não falo apenas de financiamento dos partidos, mas também da vida de todos que giram na órbita dos partidos. No financiamento partidário, quem arranja dinheiro para os partidos fica com 40%. Por isso, há muitas pessoas que nunca tiveram actividade conhecida mas acumulam fortunas.



E os intermediários?

Normalmente, estão ligados ao sector da construção civil, que domina a vida em Portugal.



Em tempos, questionou se quem mandava mais no Porto eram os promotores imobiliários e os empreiteiros. Já tem resposta exacta?

Tenho assistido, no Porto, a uma prática reiterada nos últimos tempos, que consiste na desafectação de terrenos municipais do domínio público e subsequente cedência a privados para que possam edificar projectos que violam o PDM. Os exemplos mais mediáticos têm sido o da Quinta da China, que é a edificação de um projecto imobiliário em terrenos que eram municipais e que não vai cumprir o PDM; e o dos terrenos do Sport Clube do Porto, em Guerra Junqueiro.



Algum outro caso que não esteja sob mediatismo?

Dos casos concretos de que tenho conhecimento, no Porto e em outros concelhos, dei conta às entidades competentes. De qualquer maneira, constato, com pena, que Rui Rio já não tira o sono aos grandes interesses instalados.



Mas também participou no Executivo de Rui Rio...

Tive o pelouro do Urbanismo na parte final do mandato e foi a minha capacidade de dizer" não" a todos estes interesses instalados que fez com que tivesse que sair.



Não poderia ter denunciado mais cedo essa situação?

Denunciei no devido tempo aquilo que achava relevante. De qualquer modo, se não se concretizarem determinadas tentativas, eliminam-se e não é preciso denunciá-las. Entreguei os casos que entendi relevantes e está em curso um processo no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto, que espero que tenha resultados, embora já tardiamente.



Já disse que muitos vereadores do urbanismo se remetiam à posição de mercenários. Incluindo o do Porto?

Não queria personificar, mas enquanto subsistir o actual paradigma de planeamento, gestão e fiscalização, com uma legislação que favorece, incentiva e induz a corrupção e o tráfico de influências, naturalmente que os vereadores estarão sempre sob suspeição, a menos que se ponham claramente contra este estado de coisas.


Governos estão reféns

O que é possível fazer ao nível do urbanismo?

O mais importante é intervir nas causas. O regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial tem já oito anos. Preconizava-se que as condições segundo as quais os solos podiam ser reclassificados de rurais para urbanizáveis seriam excepcionais. Teriam de ser regulamentadas de forma uniforme no país e em 120 dias. Passaram oito anos e nada. Quatro chefes de Governo ficaram reféns das negociatas. A legislação do urbanismo em geral tem que ser simplificada. Por que o Parlamento não faz isso? Porque os deputados são mais do que funcionários de partidos ao serviço do líder do momento. E os líderes dos partidos, por sua vez, também não podem alterar o estado de coisas porque iriam prejudicar quem os financia.

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