terça-feira, 14 de agosto de 2007

Com 75 anos, ditou contos que foram publicados no exterior. Como resultado, foi internado à força num hospital psiquiátrico. Morreu 3 dias depois.

Escreve José Milhazes em "Da Rússia"

Recordando Varlam Chalamov (Shalamov)

Hoje, Domingo à noite, 1 Julho, 2007, o canal russo de televisão NTV estreou o filme: “O último combate do major Pugatchov”, baseado num dos 103 “Contos de Kolima”, do poeta e novelista russo Varlam Chalamov.

Lembrei-me que este ano se celebra o centenário de um dos maiores nomes das letras russas, infelizmente, pouco conhecido em Portugal.

Varlam Chalamov (Shalamov)

Chalamov nasceu na cidade russa de Vologda em 1907, filho de um sacerdote ortodoxo. Foi preso pela primeira vez em 1929, quando tinha apenas 22 anos e ainda era um estudante de direito na Universidade de Moscovo. Foi condenado a três anos de trabalhos forçados em Solovki, uma ilha do Mar Branco que havia sido transformada de mosteiro ortodoxo em campo de concentração soviético. Em 1937 foi preso novamente e condenado a cinco anos de campo de concentração em Kolima, no Nordeste da Sibéria.

Chalamov foi libertado de Kolima em 1951, mas proibido de deixar a região. Em 1953 teve permissão de deixar a Sibéria, mas impedido de viver numa cidade grande. Voltou a Moscou em 1956 para descobrir que a esposa o havia deixado e a filha o havia rejeitado.

Com 75 anos, vivendo só, numa casa para idosos, cego, quase surdo e falando com grande dificuldade, ditou para o seu único amigo que ocasionalmente o visitava diversos pequenos contos que foram publicados no exterior. Como resultado, foi retirado do asilo e internado compulsivamente num hospital psiquiátrico. Três dias mais tarde, em 17 de janeiro de 1982, morreu “num quarto pequeno, com grades nas janelas, diante de uma porta acolchoada”.

Os seus “Contos de Kolima”, publicados pela primeira vez no estrangeiro nos anos 80 do séc. XX, são, sem dúvida, o testemunho mais verdadeiro e, por isso, mais cruel do GULAG, sistema de campos de concentração na União Soviética onde morreram milhões de pessoas. Cada um dos pequenos relatos constitui uma crónica da degradação e da desumanização da vida nos campos de concentração estalinistas.

Em comparação com Alexandre Soljenitzin, outro escritor russo que escreveu sobre os campos de concentração estalinistas, o estilo de escrita de Chalamov é mais seco, incisivo, tornando-o, por isso, mais realista.

“Existe muita coisa lá que um homem não deve saber, não deve ver; e, se vir, para ele é melhor morrer” – escreveu Varlam Chalamov em “Contos de Kolima”.

“Contos de Kolima”

Sinto orgulho por ter sido o primeiro, juntamente com o tradutor russo, Benjamin Kuznetsov, a traduzir para português alguns dos "Contos de Kolima" . Se algum leitor estiver interessado em conhecer melhor a obra de um dos maiores escritores russos e soviéticos, pode procurar o livro de Chalamov em alfarrabistas. A obra foi editada pela Relógio d’Água.

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