domingo, 8 de julho de 2007

O presente estudo foi desenvolvido pela Bruno Soares Arquitectos, e abrange um território de 139,6 Ha no extremo Sudoeste do concelho da Moita e ...



JACINTO, Fátima; LAMAS, Bruno; MACHADO, Rita (Arquitectos Urbanistas)

Redigido em Dezembro de 2003; publicado na revista "Sociedade e Território" nº 37/38, Junho 2004

O Esquema Director como figura mediadora: o Caso Quinta da Migalha

«Restituer un "code" de l'espace, c'est-à-dire un langage commun à la pratique et à la théorie, aux habitants, aux architectes, aux scientifiques, peut se considerer tactiquement comme une tâche immédiate»

Henri Lefebvre, in «La Production de l'Espace»[1]

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O Caso Quinta da Migalha

a) enquadramento territorial

O presente estudo, no qual os autores colaboraram, foi desenvolvido pela Bruno Soares Arquitectos, e abrange um território de 139,6 Ha, localizado na Área Metropolitana de Lisboa, mais especificamente, no extremo Sudoeste do concelho da Moita (UOPG 03) e Este do concelho do Barreiro (UOPG 113).

«Detentora de uma paisagem rural em abandono e transformação, vincada por dois vales, e confrontada nos seus limites por uma estrutura construída diversificada e pouco articulada na qual as suas ligações são efectuadas por uma rede viária insuficiente e de algum modo redutora do potencial de expansão, a Área de Intervenção, pela sua dimensão, posicionamento territorial e fisiografia, oferece um importante potencial de reestruturação e requalificação deste tecido urbano difuso e desestruturado que tende a crescer de forma fragmentada consolidando a franja peri-urbana dos concelhos do Barreiro e da Moita.»[20]

Dentro do âmbito dos Planos Directores Municipais, são estabelecidas directrizes:

UOPG 03 – Concelho da Moita

a) Articulação do território com o espaço urbano do Barreiro;

b) Implementação da Via Estruturante Primária Sul (CREM);

c) Valorização da estrutura verde integrado nos corredores da Estrutura Ecológica Metropolitana – Construção do Parque Urbano do Trabuco.

Fig. 1 Enquadramento da Área de Intervenção – Quinta da Migalha

UOPG 113 – Concelho do Barreiro

a) Uso dominante habitacional e usos compatíveis, comércio, serviços e equipamentos;

b) Salvaguardar a alternativa à estrada Municipal 510 de ligação Barreiro/Moita e o Cabeço Verde, assim como ligações viárias internas à Cidade Sol;

c) Constituir reservas de terreno para equipamento.

Fig. 2 Extracto dos PDMs da Moita e Barreiro

b) processo

Enquanto o P.D.M. do Barreiro foi elaborado ao abrigo do DL. N.º 69/90, de 2 de Março, o P.D.M. da Moita, actualmente em revisão ao abrigo do DL. nº 310/03 de 10 de Dezembro, possui um carácter estratégico que o P.D.M. do Barreiro (mas não a administração municipal) não contempla, permitindo assim materializar intenções de desenvolvimento local. Desta forma, a introdução de instrumentos e mecanismos de execução dos planos, conjuntamente com a autonomia autárquica, revelam-se elementos fundamentais para uma gestão urbanística municipal.

A necessidade de uma infra-estrutura rodoviária de importância intermunicipal (Circular Rodoviária Externa da Moita – C.R.E.M.) veio possibilitar um diálogo e o estabelecimento de um compromisso entre as duas Câmaras (Protocolo Intermunicipal, com a coordenação da C.M. Moita), que numa perspectiva regional, contribui para uma maior integração dos dois Municípios na Área Metropolitana de Lisboa, ao nível das acessibilidades.

Com o desenvolvimento do projecto da via, compreendeu-se que uma extensão considerável desta, atravessaria uma grande propriedade localizada nos dois concelhos. Este facto revelou-se fundamental como facilitador da negociação com o proprietário, por forma a chegar a um acordo que enquadrasse duas perspectivas: a implementação da via e o desenvolvimento de um território intersticial - Quinta da Migalha - que sustentasse os objectivos estratégicos dos dois Municípios.

Esta convergência de interesses permitiu a negociação entre ambas as partes, que originou um novo protocolo, desta vez entre as Câmaras Municipais e o Promotor. A cooperação entre os agentes envolvidos tem, desta forma, um papel preponderante ao longo de todo o processo. Assim, é acordado que as directrizes da UOPG 03 Moita teriam em conta o sentido da área da oportunidade e o acordo em desenvolvê-la de forma integrada, sendo os seus critérios cumpridos se o PDM fosse aprovado (revisão). O factor confiança, entre o promotor que investe e a câmara que permite a construção, surge, desta forma, como base do compromisso assumido, tal como a flexibilidade do Esquema Director entendido como instrumento de gestão municipal.

O cenário da revisão do PDM, por parte da Moita, ao inviabilizar a promoção e desenvolvimento de Plano de Pormenor, dentro do processo normativo do planeamento em Portugal, inviabilizaria, de igual modo, o aproveitamento da oportunidade criada. A alternativa foi consensual, a elaboração do Esquema Director, seria a resposta, e ambas as câmaras avaliariam a proposta. Desta forma a legitimação do processo e do referido esquema estaria garantida (i) tecnicamente, perante o facto do mesmo ser composto pelos elementos que compõe um plano de pormenor (ii) económica e politicamente, pelo agarrar de uma oportunidade que reverte em benefício de comunidades de fronteira municipal e (iii) social e culturalmente, pela identificação da morfologia social e esclarecimento dos estados de carências e aspirações dos residentes através de questionários de auto-resposta da psicologia comunitária.

No que diz respeito à condução do próprio esquema, enquanto programa de intenções desenhadas, o consenso necessitou de ser gradualmente formado. É aqui que a flexibilidade do esquema director melhor se manifesta, traduzindo-se em sucessivos ajustamentos negociais e projectuais que se debruçaram, numa primeira fase, sobre a estrutura geral de implantação (o imaginário), e, mais tarde, em considerações de certos elementos-chave para o desenvolvimento do território.

Por fim, o processo consuma-se em dois Planos de Pormenor promovidos pelas respectivas Câmaras, que reflectem as opções estratégicas definida no Esquema Director, e promulgam um sistema de execução (por iniciativa das câmaras ou por proposta dos proprietários), na figura do mecanismo da perequação.

uma quase-conclusão

No contexto nacional, parece-nos que as expectativas criadas ao longo dos últimos 30 anos cresceram mais rapidamente que a quantidade de valor disponível, de modo que, perante as alterações mais recentes na estrutura da esfera pública e a ampliação dos critérios de referência da população, gerou-se uma certa crise motivacional, agravada, no caso do planeamento, pela administração burocrática —esse «instrumento de precisão» (Max Weber). O esquema director não ignora esta conjuntura. Tenta, por sua vez, esclarecer a interdependência entre a teoria e a prática, por via de uma linguagem mediadora que possui elementos estruturantes comuns aos vários actores, aos quais não se pode escapar sob pena de uma perda de sentido do próprio acto de planear.

Enquanto figura mediadora do planeamento, o esquema director sabe que «enquanto a incompatibilidade de pretensões e intenções não for reconhecida pelos participantes, o conflito permanece latente»[21]; e que este reconhecimento pode, só por si, implicar significativas alterações nas formas de organização e interacção quotidiana do poder local. Enquanto figura crítica do planeamento, defende com Habermas, que «o mecanismo fundamental para explicar a evolução social em geral reside num automatismo: é impossível deixar de aprender. Ao nível do desenvolvimento sócio-cultural, não é a aprendizagem, mas a não-aprendizagem, o fenómeno que deve ser explicado»[22].

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