domingo, 15 de julho de 2007

Ano de 1346...“aforamento de peça de herdade em Couna, que parte com caminho de Palmela e caminho da Barra Cheia,..."













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Apontamentos sobre a História da Barra Cheia

Não existe muitos documentos com referência sobre a existência da Barra Cheia, sabemos que nos documentos arquivados na Torre do Tombo, Santos-o-Novo, cx 14 nº. 1252, ano de 1346, refere o “aforamento de peça de herdade em Couna, que parte com caminho de Palmela e caminho da Barra Cheia, o mesmo documento com o nº. 1284, refere “aforamento de charneca no termo de Couna, que parte com serra contra a Quinta da Barra Cheia”, também o Dr. António Matos Fortuna no seu livro Quinta do Anjo Terra Singular, refere o livro 3º. De Odiana, fl.77 v, arquivado na Torre do Tombo, que o Rei da época D. João II, em 1477 doou, a Manuel Gonçalves, um pinhal que se chama de “Barracheia”, assim como outro pinhal junto a Coina, com o nome de “Torre Queimada”. Isto, por não se saber a quem essas propriedades pertenciam!! Neste caso, seriam da coroa, conforme lei da época (hoje diríamos do estado). Assim, o “Príncipe Perfeito”, El Rei D. João II, houve por bem fazer pura doação desses prédios ao já referido Manuel Gonçalves, porteiro da Câmara Real.

Outra dádiva régia importante, talvez mais que aquela (… o que, aliás, de certo modo, parecia de justiça) foi a concedida a Sancho de Tovar e seus herdeiros, “de uma terra cercada de valados velhos, a maior parte, por nome chamada Barracheia, em matos manihos, a qual pertence a nós (El-Rei), e parte da banda do Norte com caminho que vem da vila de Palmela para o Barreiro, e, do poente, com caminho que vai da Moita para Azeitão; e do sul, com estrada de carretas, que vem da pedreira para Coina. E da banda do Levante com charneca maninha.….

E lha damos com todos os seus pinhais, fontes, terras, matos rotos e por romper, entradas e saídas, e todas as outras pertenças tão inteiramente com nós a podemos e devemos haver.

E porém mandamos ao contador da dita comarca e a quaisquer outros oficiais, e pessoas a quem esta nossa carta for mostrada, e o conhecimento dela pertencer, que o matam logo em posse da dita terra e a leixem (=deixem) lograr e possuir e fazer dela e em ela todas as benfeitorias que lhe prouver, porquanto nós lhe fazemos dela mercê e doação na maneira que dito é. (A.N.T.T. livro nº 7 de Odiana, fl.12.)

Nós não possuímos mais documentos com referência a Barra Cheia até ao século XVIII, sabemos que a Barra Cheia se manteve como pinhal durante muitos anos, sendo nula ou quase nula a presença humana, até á chegada do Povo migrante, Gândarez e de outras localidades da Beira Litoral, aqui chamados de Caramelos de ir e vir e mais tarde apenas por Caramelos, os primeiros Caramelos chegaram a terras de Azeitão, Freguesia de S. Lourenço no último quarto do século XVIII, e ainda antes do final do referido século á Freguesia de S. Simão com elevado numero de pessoas. No início do século XIX, os Caramelos chegam a terras da Moita como trabalhadores rurais. Os pinhais que constituíam a Barra Cheia e Cortajeira, pertencentes a famílias importantes ligadas á nobreza, a pouco e pouco, foram aforrados pelos Caramelos que escolheram fixar vida nesta região, em poucos anos grande parte da zona de matos e pinhais, viria a ser desbravada pelo mesmo povo que aqui constituiu uma colónia pura da região da Gândara, Beira Litoral com especial incidência dos Casais de S. Tomé de Mira e Cadima de Cantanhede, que provavelmente fundaram e povoaram a localidade com o mesmo nome dos ditos pinhais. Começaram por limpar as terras e a torná-las férteis, fixaram-se em palheiros e posteriormente em casas de barro com cobertura de palha, abriram charcos, instalaram picotas e algumas noras para tirar água, iniciaram as sementeiras de cereais, batatas, plantação de vinha e outras culturas. No final das colheitas regressavam à terra natal. O povo da Vila chamavam-lhes caramelos de ir e vir, e tratavam-nos com um certo desprezo. Os caramelos receberam estas terras foreiras, vedaram as suas parcelas com enormes valados de areia, plantaram em volta oliveiras e figueiras, começando a construir as estruturas necessárias para se fixarem em definitivo. As casas começam a serem construídas por toda a parte com adôbos de barro e telha.

Não perderam os povoadores da Barra Cheia os seus hábitos religiosos, e numa extensão de 3 Km construíram duas ALMINHAS. Numa delas, mais tarde, viriam a ser edificada uma capela onde existiam duas imagens cujos nomes a população não gosta de falar, não se consegue apurar concretamente, mas diz o povo que era Santa Conicha ou Santa Conga e Santo Carário ou Eucarário, mas devido à população da Moita e Alhos Vedros gozarem os Caramelos pelos nomes dos seus Santos, os Caramelos acabaram por tornar sua Padroeira Nª. Srª da Atalaínha, por sua grande devoção a Nª. Srª da Atalaia do Montijo.

Os Caramelos de ir e vir, ao fixarem-se em definitivo, acabam por se designar apenas por CARAMELOS, frequentavam todas Romarias, Nª. Srª da Atalaia, N. Srª da Arrábida, Nª. Srª do Cabo, Nª. Srª da Escudeira e muitas outras. Faziam grandes bailes nos locais de encontro e de despedida das referidas romarias, caminhavam dois dias pela serra da Arrábida para ir à Romaria por caminhos agora desconhecidos, acompanhados dos burros carregados com os alforges cheios de comida e vinho da colheita, e a tradicional bandeira do Círio em pagamento de promessa, e cantava-se



Ó Senhora da Arrábida

Seu caminho pedras tem

Se não fosse seus milagres

Já cá não vinha ninguém



Os Caramelos da Barra Cheia, organizavam-se anualmente em Círio com o andor de Nª. Sª. Da Atalaia, e participavam na festa grande no 4º. Domingo de Agosto.

Mas, a 15 de Outubro de 1859, António da Cunha Saraiva e Albuquerque, vende a Quinta da Louça (quinta e grande pinhal) a Manuel Gomes “Padre Nosso”, e a seus filho Manuel Gomes Júnior, António Gomes, Tomé Gomes e Genro Tomé Marques, a Quinta foi divida em cinco partes de medidas semelhantes, escritura no Cartório Notarial da Moita.

A Quinta da Louça na data da referida escritura confrontava pelo sul, nascente e poente por terras e matos pertencentes ao “Morgado” de que era Administrador na época D. João José de Cárcamo Lobo, e pelo norte com terra de João dos Santos da Sebastiana,

À data da venda da Quinta da Louça por António Albuquerque a Manuel Gomes, existia no canto, nascente, sul, uma pequena Capela, chamada de “Alminha”, edificada pelos Caramelos, a quando da sua chegada no inicio da Povoamento, onde existiam duas imagens já desaparecidas, de Santa Comba e São “Carário”, local onde se juntava o Povo Caramelo, para rezar.

Segundo testemunhos antigos, as imagens referidas, foram feitas por artesões locais ou por pessoas habilidosas, a partir de madeira de um “Catrapereiro” (pereiro bravo) cortado e oferecido por José Marques Valente, imigrado da Beira Litoral (com origem em Cadima, no concelho de Cantanhede) nas primeiras décadas do século 19, e colocadas no Altar das Alminhas, a imagem de Santa Comba era coberta por manto, sendo as suas caras muito escuras devido á cor natural da Madeira, a Santa Comba era a mais escura.

Tendo em atenção as características das confrontações da Quinta da Louça, onde hoje se encontra a Capela, tudo indica que o povoamento que deu origem ao desenvolvimento da Barra Cheia, se fez a nascente e norte do actual largo da Capela.

A 27 de Novembro 1864, Manuel Gomes, de apelido “Padre Nosso” e sua mulher Ana dos Santos Miranda, fizeram por escritura publica a doação de cerca de 5.000 metros de terreno, da sua parcela comprada a 15 de Outubro de 1859 a António da Cunha Saraiva e Albuquerque, para edificar a Capela a Nª. Sª. Da Atalaia, cuja imagem já possuíam e festejam anualmente, tendo requerido a respectiva autorização ao Patriarcado de Lisboa, “alegando que existindo nas proximidade da sua propriedade diversos moradores em número de 60 a 70 fogos que pela distância a que se encontram da Igreja Matriz a que pertencem, faltam em quase todo o ano aos Ofícios Divinos a que é obrigado o fiel Cristão” assim e após a escritura foi construída a primeira Capela a Nª. Sª da Atalaia, sendo transformado o espaço da existente “Alminha” dando origem ao altar da Capela, sendo os Santos “Comba e Carário”, passados a segundo plano, as referidas imagens, normalmente estavam guardadas no altar, sendo retiradas para sair em procissão, a tendo mesmo desaparecido após a queda de parte da Capela em 1941.

Em data que não foi possível apurar, entre os últimos anos do século 19, e os primeiros anos do século 20, foi construído no largo um coreto para a Banda de musica tocar durante os tradicionais concertos das festas anuais, sendo o mesmo demolido no inicio da década de 50 para se proceder á construção da Nova Capela, provavelmente em 1952, o coreto foi construído, por José Bica, Manuel Nora, António Francisco Miguel, Manuel Santos Gaiteiro, entre outros.

A 24 de Dezembro 1941, Parte da Capela construída em 1864, com adobos de barro, ruiu, após grandes chuvadas e fortes ventos, tendo permanecido intacto o altar (antiga Alminha), onde permaneceram as Imagens, sendo local para orar temporariamente, após a queda desapareceram as imagens primitivas “Santa Comba e São Carário”, diziam os antigos que a imagem de São Carário, foi levada por um morador, que a colocou no repolhal de Tomé Marques Valente na Barra Cheia, tendo desaparecido dias depois, a imagem de Santa Comba foi metida num saco de serapilheira por Manuel Miranda, alcunha “O Piralha”, residente na Barra Cheia, que se encaminhou pela estrada sentido Quinta do Anjo, e nunca mais se soube da referida imagem, não podemos confirmar que seja esta pessoa o responsável pelo desaparecimento da imagem, as informações que temos são de transmissão oral pelas pessoas idosas da terra.

Entre Dezembro de 1941 e Setembro de 1954, neste período, a população utilizou o que restava da Capela, nomeadamente o espaço do altar, para orar, realizando-se ainda algumas celebrações na casa anexa conhecida como sacristia, tendo-se iniciado a campanha de fundos para a construção na nova Capela, cuja construção foi muito demorada, devido ás dificuldades financeiras da época, causadas com as Guerras de Espanha e Alemanha, sendo os últimos cinco anos fundamentais para atingir os objectivos.

Dinamizou e acompanhou a realização das obras o Padre João Evangelista, na época Pároco na Moita até à chegada do Padre José Feliciano Rodrigues Pereira a 1 de Novembro de 1953 á Paróquia de Alhos Vedros.

A 26 de Setembro 1954, é Inaugurada a Nova Capela a Nª. Sª da Atalaia, conhecida hoje por Nª.Sª. da Atalaínha, diminutivo de Nª. Sª. da Atalaia, e para a distinguir desta, fazendo-se nesse ano uma das maiores festas.

Das pessoas que fizeram parte da Comissão que realizou as obras, e a festa de inauguração, conseguimos identificar os seguintes nomes entre outros, Presidente António Alexandre de Oliveira Nora, 1º. Secretário Salvador Gomes Caldeira, 2º. Secretário Manuel Miranda da Cruz, vogais, António Marques Valente, Manuel Marques Valente, António Miranda da Cruz, Adelino da Silva Nora, José Bica, José Marques Valente, António Nascimento Miranda, Libertino Gonçalves Carriço, António Santos, José Marques, Manuel dos Santos Ramião, era Pároco da Freguesia o Padre José Feliciano.

Da sacristia a que nos referimos anteriormente, não temos muita informação escrita mas sabemos que a mesma foi demolida por volta de 1963, para dar lugar a uma nova construção, foi lançada a primeira pedra para o novo edifício, cujas obras pararam quando tinha apenas as paredes levantadas. A data da construção da antiga sacristia, não foi possível apurar, certamente a data é posterior á construção da primeira Capela em 1864/65, mantendo-se apesar do seu mau estado até á demolição, resistindo ao ciclone de Fevereiro, e chuvadas de Dezembro de 1941, no período de 24 de Dezembro de 1941, até 26 de Setembro de 1953, a sacristia serviu para as pequenas actividades da “Igreja” sendo ali guardadas as imagens, alfaias religiosas e outros pertences da Capela.

Ao longo dos anos, com a realização das Festas de Nª. Sª. da Atalaia na Barra Cheia (Atalaínha), no final de Setembro ou principio de Outubro, o Círio que fazia Romaria ao Santuário da Atalaia - Montijo, acaba por se extinguir naturalmente.

A Barra Cheia a que se refere os documentos antigos, era uma basta área incluída nos actuais concelhos de Moita (Alhos Vedros), Palmela (Quinta do Anjo) e Barreiro (Santo António da Charneca), actualmente mantém o nome a Barra Cheia, a parte integrada na Freguesia de Alhos Vedros, as restantes deram lugar a novos Bairros, desaparecendo total ou parcialmente o nome de origem.

A vida e a cultura desta comunidade Caramela, durante quase dois séculos, foram feitas em redor da sua Capela e da sua Padroeira.



Barra Cheia, Julho 2007

Manuel Fernando Santos Miguel

Historial

O Rancho Etnográfico de Danças e Cantares da Barra Cheia, Associação de Utilidade Pública,

fundado a 19 de Abril de 1980, na Freguesia de Alhos Vedros, Concelho da Moita, está situado na Célebre Região Etnográfica “CARAMELA”, Sul da Estremadura. O Rancho desde a sua fundação dedicou-se á recolha das músicas, danças, cantares, trajes, usos, costumes e tradições dos “Povos Caramelos” que no principio do séc. XIX, povoaram a Barra Cheia e sua região, povos vindos da Beira Litoral, especialmente dos concelhos de Mira e Cantanhede.

Ao longo da sua actividade tem participado nos principais Festivais de Folclore, Nacionais e Internacionais em Portugal, Espanha, França, Alemanha, Bélgica e Itália, assim como em diversas Festas e Romarias.

Está Filiado no “INATEL” e na Federação do Folclore Português. É organizador de diversos Festivais Nacionais e Internacionais na Barra Cheia e localidades vizinhas. Reconstituiu regularmente desfolhadas, casamentos tradicionais, Círios a N.ª Srª da Atalainha e exposições Etnográficas dedicadas ao Povo local.

r.etnografico.barra_cheia@hotmail.com


1 comentário:

ReidoLixo disse...

Boa noite.
Necessitava de entrar em contacto com Manuel Fernando Santos Miguel, como é que o posso fazer? r.calado@netcabo.pt

Cumprimentos

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Neste espaço surgirão artigos e notícias de fundo, pautadas por um propósito: o respeito pela Lei, a luta contra a escuridão. O âmbito e as preocupações serão globais. A intervenção pretende ser local. Por isso, muito se dirá sobre outras partes, outros problemas e preocupações. Contudo, parte mais significativa dos temas terá muito a ver com a Moita, e a vida pública nesta terra. A razão é uma: a origem deste Blog prende-se com a resistência das gentes da Várzea da Moita contra os desmandos do Projecto de Revisão do PDM e contra as tropelias do Processo da sua Revisão, de 1996 até ao presente (2008...) Para nos contactar, escreva para varzeamoita@gmail.com