Segunda-feira, Julho 02, 2007
Europa, esse continente distante
“Penso que a lei se deveria empenhar em defender apenas e com mais vigor os terrenos que devam ser protegidos por razões ecológicas e não tentar manter viva uma actividade moribunda (agricultura)”.
- Saldanha Sanches, in Expresso de 30/06/2007
Consta que os partidos maioritários (PS e PSD), procuram consensos para alterar a lei eleitoral para as autarquias. Embora com diferenças de pormenor, estão de acordo quanto ao reforço do poder dos executivos, diminuindo a representatividade das oposições, dando como exemplo o que se passa na constituição dos governos nacionais. Ora, apesar do aparente sentido da proposta, “esquece-se” ou esconde-se que as assembleias municipais não são a Assembleia da República e os mecanismos de controlo daquelas, nada têm de comparável com os desta. Reforçar o poder dos executivos camarários é aumentar a margem de manobra de todas as perversidades que limitam a nossa democracia e fizeram do nosso território “coutada” de duvidosos interesses privados.
Simultaneamente, começa a chegar ao domínio público o debate sobre a “Lei dos Solos”. Desta vez foi o “Expresso”, pela mão da jornalista Luísa Schmidt, a chamar a atenção para a falta de sentido da situação actual e para as muitas perversidades já aqui debatidas a propósito da “Conferência da Moita”. É consensual que não pode continuar a haver apropriação privada de mais-valias conseguidas à custa de investimento público e até se denuncia o contraste da nossa situação com a dos restantes países da Europa. É bom sinal. No entanto, limitar o debate a esse ponto (apropriação privada das mais-valias), arrisca-se a esvaziar o objectivo preventivo de uma eventual alteração da lei. De facto, convém não esquecer que as próprias autarquias são parte interessada na alteração do estatuto dos terrenos, na medida em que isso lhes permite beneficiar de mais graúdas tributações. Quer isto dizer que não é preciso haver um “primo” do presidente ou do vereador a querer fazer uma “negociata”. Os próprios autarcas podem estar interessados nela. Depois, importa perceber que a defesa do território, tem que estar associado à melhoria das condições de vida dos “agentes da preservação”: as pessoas que nele residem e que, com a sua actividade, contribuem para a sua manutenção. O proprietário de um terreno da Reserva Ecológica Nacional e da Reserva Agrícola, presta um serviço público que deve ser reconhecido e recompensado. Ignorar esta parte do problema, é permitir que a perversidade continue, reforçada pelas alterações à lei eleitoral que PS e PSD preparam nos bastidores.
E chegamos à declaração de Saldanha Sanches, autor de várias corajosas denúncias de abusos do poder local, mas claramente limitado por uma experiência urbana. Levando à letra o que disse, o território seria um somatório de cidades e de “reservas ecológicas”- nas primeiras, viviam as pessoas; nas segundas, renovava-se o oxigénio e levavam-se as criancinhas a conhecer melros e pardais. Quanto à agricultura, assim numa espécie de compensação dos complexos provocados pelo Tratado de Methuen, ficava limitada aos “países pobres”, mais aptos para, a preços baixos, garantirem o prato cheio dos “países ricos”. O problema deste raciocínio tão “urbano”, é ignorar a função social e ambiental que a agricultura tem que desempenhar, contribuindo para estancar o êxodo rural selvagem (e os problemas sociais a ele associados) e para a manutenção da “parte ecológica” do território, aquilo a que os “urbanos” costumam chamar “a paisagem”. Já nem se fala na qualidade do que se come...
Quando se passeia pelas zonas rurais de alguns dos nossos “parceiros europeus”, países com custos do trabalho bastante mais altos do que os nossos, apercebemo-nos da falsidade destes argumentos. Não são campos de golfe que lá encontramos (também os há), mas terras e florestas trabalhadas e preservadas. É isso que nelas atrai e estimula uma intensa actividade turística, baseada nas especificidades locais. De qualidade. No entanto, importa estar consciente de que, tal como Saldanha Sanches, muitos outros, dos mais variados quadrantes políticos, pensam assim. Contrabalançar estas ideias, fazer entender que a Europa que interessa é a dos povos, exige a criação de mecanismos que permitam uma maior participação das populações na gestão do território, contra os tais que andam para aí, escondidos, a alterar a lei em sentido inverso. Se o não conseguirmos, arriscamo-nos a ser cada vez mais estrangeiros em nossa própria casa e a ver a Europa como um continente cada vez mais distante. 0 comentários
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