Solo: mercadoria ou recurso?
[publicado no Diário de Aveiro, 25 de Agosto de 2006]
Insistentemente, no Verão, Portugal embrulha-se no caos urbanístico do litoral e assiste ao seu território a arder.
No nosso país a Política de Solos é praticamente inexistente e o debate ausente. Antes de partir para propostas legislativas é necessária um discussão conceptual sobre o que é o solo na nossa sociedade. Deverá o solo ser encarado enquanto mercadoria ou enquanto recurso?
Claramente, até nas definições de meros dicionários, o solo é definido enquanto recurso natural. O solo, mesmo que privado, não deve ser abusado. O solo deve ser protegido pela legislação já que dele dependem actividades fulcrais para a Humanidade. A gestão de recursos naturais como simples mercadorias leva a direcção do lucro e não do bem comum da população e da sociedade.
O solo é um bem limitado, não se replica nem se produz. Quando alguém detém solo provoca, simultâneamente, a redução da sua disponibilidade para a população e para a concorrência. Sendo o solo claramente um recurso natural, quem fica assim numa posição competitiva privilegiada face à concorrência não deveria ressarcir em parte a sociedade? Isto uma vez que não se produziu solo, apenas se limitou a ocorrer uma aquisição e a ocupação em proveito individual, sendo que nestes actos não foi gerada riqueza para a sociedade.
Neste momento o valor dos solos é algo bastante intrigante. Um hectare de terreno agrícola que passe a terreno urbano vê o seu valor grandemente multiplicado. Temos que uma decisão administrativa, por si só, sem que seja criada qualquer riqueza ou mais valia, gera uma imensa riqueza ao proprietário do terreno. Será justo que um acto executado por uma autarquia, que em nada contribuiu para a valorização do recurso nem da sociedade, provoque uma ostensiva subida de valor de um terreno que continua com o mesmo hectare de área?
A realidade deste vazio legislativo leva à especulação imobiliária e ao consequente caos urbanístico. Como o latim é uma língua morta, em Portugal a agricultura é encarada como uma actividade do passado. Tenta-se assim desalmadamente transformar o solo na única coisa que aparentemente dá lucro: as edificações florescem que nem cogumelos. Esta vontade vai ao encontro da forma de financiamento das autarquias, que assenta essencialmente na colecta de impostos derivados da construção imobiliária.
A realidade é que, desta forma, o solo é edificado
Ora esta prática face ao vazio existente no Direito dos Solos é vantajosa para os especuladores imobiliários, mas altamente prejudicial para a sociedade. Em vários países da UE e nos EUA, o açambarcamento de apartamentos, que ficam durante uns anos no limbo sem uso, seria altamente penalizada, contudo em Portugal tudo é lucro. Aliás, nos EUA, a visão sobre o solo é eficiente, já que existe a consciência histórica da não produção do solo, tendo este recurso sido em grande escala oferecido pelo Estado à população nas grandes corridas do oeste.
Infelizmente por cada incêndio se torna mais fácil a passagem administrativa de um terreno agrícola a susceptível de construção; e se transforma excessivamente o solo em edificação vertical. O centro das cidades vai morrendo, transformado em entulho de prédios devolutos desabitados e cuja recuperação não é benéfica em nome da especulação.
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