Mudança de uso do solo e especulação
5 Abril ‘07
A história não é inédita. No Algarve, na zona da Quinta do Lago, o Plano Director Municipal de Loulé vai ser cirurgicamente suspenso numa pequena área considerada florestal, para que, livre de quaisquer restrições, possa aí ser construído um resort turístico de luxo com mais de seiscentas camas.
O empreendimento a implantar numa das zonas de turismo mais elitizado do Algarve - a zona de Vale de Lobo e Quinta do Lago, apesar de vir a ocupar uma pequena área com pouco mais de
A acumulação de capital em Portugal tem assentado neste tipo de operações protagonizadas por empresas do ramo imobiliário, evidentemente, mas com profundas relações com a banca e o capital financeiro e vêm-se repetindo de norte a sul do país a um ritmo insaciável. Vargem Fresca, Cabo Raso, Quinta do Ambrósio, Praia da Rocha, Lisboa...
Terrenos com fortes condicionamentos ambientais são comprados a baixo custo e, alterada a forma de uso do solo, geram mais valias simples fabulosas, multiplicando por valores extraordinários, frequentemente da ordem dos milhares %, os réditos daí resultantes.
Em muitos casos tratam-se de operações completamente apadrinhadas pelo governo, como sucede agora com a Quinta do Lago. À pala dos PIN, o governo rompe, por via administrativa e sob a forma de excepções, porém cada vez mais frequentes, seja com que figura de ordenamento do território ou de protecção ambiental, dos PDM à Rede Natura ou às Reservas Ecológica e Agrícola nacionais, bem como sobre procedimentos absolutamente indispensáveis para avaliar dos impactos destes projectos sobre os territórios onde se querem implantar.
A avaliar pelos resultados fabulosos destes negócios, o papel do governo, sempre tão expedito em alijar responsabilidades sociais, aparece aqui como protector descarado dos interesses económicos mais vorazes que pairam sobre o país.
Este tipo de procedimentos tem ainda entusiásticos apoiantes de primeira linha numa extensa, e politicamente transversal, casta de autarcas. Sem rodeios, o governo, para justificar o projecto da Quinta do Lago como PIN considera o "acréscimo nas receitas municipais", a serem geradas.
Em nome de um "desenvolvimento" medido pela densidade urbana ou pela ocupação em mancha de óleo do litoral por um turismo de luxo associado a fortes componentes de segunda habitação e à multiplicação de campos de golfe, uma velha e corrompida geração de autarcas constitui-se como dos principais coadjutores desta sorte de negócios. O ordenamento territorial e as figuras de protecção ambiental tornam-se insignificantes e meras figuras de retórica cada vez mais raras.
Estes projectos de grande dimensão, quer pela área ocupada quer pelos montantes financeiros implicados, acabam por servir de inspiração, a nível e à escala local, a um modelo de gestão autárquica, fundado em contrapartidas e em mecanismos do mesmo tipo, acabando por tornar-se como eixo estruturante das próprias políticas autárquicas.
Travar e inverter esta lógica perversa, à sombra da qual se inquinam as políticas locais, mais do que uma medida de sanidade pública constitui uma prioridade, por isso a denúncia de cada caso, de cada situação concreta traz o tema à agenda política e constitui uma forma de pressão, que os autarcas, como os deputados de esquerda, sérios e combativos, não poderão deixar de seguir. Este é aliás um dos temas centrais da luta política nos tempos que correm.
João Madeira
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