sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Sobre a Suinicultura da Barra Cheia e sobre as Respostas da Administração: Onde é que estamos? Em Portugal ou na República das Bananas e do surreal?


Respostas da Administração geram novas perguntas à Administração Pública a propósito da Suinicultura da Barra Cheia (Azinhaga de São Lourenço, freguesia de Alhos Vedros, concelho da Moita)

Pode ler-se em Senhor Director Geral de Veterinária escreve aos Cidadãos sobre a Suinicultura da Barra Cheia...Mas, o assunto fica muito longe de estar encerrado... alguns dados que são “o conhecimento”, ou “a base para decisão e actuação” da Administração Pública, realmente surpreendentes.

Um agradecimento e uma observação importante contudo devem ser registados.

· Primeiro, o agradecimento. O Senhor Director Geral de Veterinária respondeu-nos. Isso é tanto mais relevante, e deve ser motivo de reconhecimento, quanto aqui entre nós, o Governo Local (Junta de Freguesia de Alhos Vedros e Câmara Municipal da Moita) nada nos diz, nada nos responde. Nem água vai, nem água vem, como se as Cidadãs e os Cidadãos[1] não fossem os eleitores dos governantes, por períodos bem determinados, mas antes sim e apenas uns calhaus com quem os eleitos não devessem perder um minuto do seu precioso tempo, lá no alto das suas (ir)responsabilidades.

· Depois, a observação. Refere bem o Senhor Director Geral de Veterinária “Esperamos desta forma ter respondido às questões colocadas dentro das nossas atribuições”, pois o seu é um ângulo do problema, mas um só, de um assunto que tem muitos mais. Pode ser vista a questão da Suinicultura de facto pelo lado da defesa das águas subterrâneas para consumo humano, da defesa dos subsolo e dos lençóis freáticos. Da defesa dos solos, das propriedades e das casas de habitação legais desde o primeiro minuto das propriedades vizinhas. Da defesa da saúde pública e da água que as pessoas bebem e do ar que as pessoas respiram. Da defesa do direito ao silêncio e ao descanso, nomeadamente durante as madrugadas de apanha e carrego dos porcos. Da defesa da legalidade e da igualdade dos Cidadãos e das Empresas, face às imposições legais de construção de edifícios, da defesa e do respeito pelos Planos Directores Municipais, de exercício de actividades económicas. Da defesa das condições de habitabilidade e dos direitos dos animais, inclusivamente daqueles que se destinam a consumo humano. Da defesa dos cursos de água e das regras de tratamento das águas efluentes de certas actividades económicas, sejam geradoras de químicos ou de outra poluição industrial, ou simplesmente geradoras de merda e de mijo de porco, às toneladas e aos hectolitros dia e noite sem cessar. Etc, etc, etc.

Mas vejamos com mais detalhe o que diz com efeito o Senhor Director Geral de Veterinária:

1. A referida exploração… (estando) classificada como unidade de produção com autorização para explorar em regime intensivo 6 varrascos e 130 porcas reprodutoras

2. A referida exploração… é igualmente detentora de alvará de licença de utilização emitido pela Câmara Municipal da Moita em 2/9/1992

  1. A referida exploração… (é igualmente detentora ) …bem como licença de descarga de águas residuais para 1300 animais equivalente, tendo como ponto de descarga a linha de água afluente da margem esquerda do rio da Moita.
  2. Foi realizada em 30/9/2008 uma vistoria pelos serviços desta Direcção Geral sediados na Região de Lisboa e Vale do Tejo, não tendo sido evidenciadas situações de alagamento dos terrenos adjacentes e caminhos envolventes da exploração.
  3. Os factos ocorridos a 17/9/2008 foram justificados como erro humano praticado por um electricista que nesse dia se deslocou à exploração para proceder à reparação de uma das bombas de extracção da ETAR, que por incúria ficou a funcionar durante o período da hora de almoço tendo sido a responsável pela ruptura de um dos tabiques da lagoa de recepção. Desta forma, o efluente transbordou para os terrenos vizinhos com os consequentes problemas ambientais, tendo nesse mesmo dia sido efectuada a reparação do referido tabique.
  4. No decurso da visita foi observada uma discrepância no que se refere ao efectivo existente na exploração, superior ao efectivo titulado, pelo que foi de imediato notificado o suinicultor para proceder à reclassificação da exploração.

O problema da população de porcos

Nos pontos 1 e 6 da mensagem referida, refere-se para quantos animais a exploração foi em Setembro de 1992 licenciada, mas acrescenta-se que foi observada uma discrepância no que se refere ao efectivo existente na exploração, superior ao efectivo titulado. E o remédio é…reclassificar a exploração. Quer dizer: tem-se licença para X. Pratica-se X+Y. O remédio é…tirar-se nova licença para X+Y. Depois passa-se a X+Y+Z. Certíssimo…nova reclassificação.

Esta solução corresponde, grosso modo, ao espírito do preconizado por outros sectores da Administração Pública, para outros aspectos do mesmo problema, como se pode ver em Aparelho de estado local e central organiza dossiers de "licenças para poluir" e distribui-as como "confettis". Atira-as ao ar, para quem as apanhar.

Será esta a atitude correcta do Estado?

É assim que o Estado trata todas as desconformidades face à Lei?

Com uma espiral dessas (Licenciamento, infracção, novo licenciamento, nova infracção, mais novo licenciamento…) onde é que isto vai parar?

E por outro lado, se num apartamento com 2 quartos de dormir habitam hoje 3 pessoas e amanhã 30 ou mais tarde 300, como viverão? Entulhadas nos armários e às dúzias em cada quarto de 9 ou de 12 m2?

E com os animais, como será o seu dia a dia? As suas condições de habitabilidade? Os seus direitos, o seu bem-estar animal ou o seu stress inimaginável desde o momento de nascerem até serem mortos?

Como é?

E a sua produção de dejectos, dia e noite, sem parar?

Tantas perguntas, tão poucas e fracas e contestáveis respostas…

O problema da licença de utilização emitido pela Câmara Municipal da Moita em 2/9/1992

O que é uma Licença de Utilização?

Tratar-se-á de um documento estático, emitido uma vez e que nunca mais é verificado nem controlado?

Esse é o destino de um bilhete de cinema, de facto. Emite-se, compra-se, mostra-se à entrada, vê-se o filme, deita-se fora ou guarda-se o bilhete para mais tarde recordar, e pronto acabou.

Ninguém mais na vida nos pergunta pelo bilhete, tirando o Porteiro da Sala de Cinema uma vez, e nada mais.

Será semelhante uma Licença de Utilização Camarária a um bilhetinho de cinema?

E a propósito, qual era a área edificada na Exploração à data da Licença? O que consta do Processo? Como foram programadas as Lagoas de dejectos? A que distância da via pública? Com que tipo de tratamento dos efluentes?

Sabemos hoje que existem cerca de 3.800 m2 de área coberta nesta propriedade de pouco mais de 2 hectares. Em REN, como as terras contíguas, a edificação permitida seria zero ou pouco mais que zero, caso houvesse edificações anteriores a 1951. Mas mesmo em classificação periurbana, a mais favorável em termos de autorização de construção por muitas centenas de metros em redor, o máximo autorizado seriam 400 m2.

A superfície lagunar ronda os 2.400 m2, em 4 lagoas depósitos de dejectos, aparentemente não impermeabilizadas face à contaminação dos solos e das águas subterrâneas dia e noite, todos os dias do ano, de há pelo menos 16 anos a esta parte.

É isso o que consta na Licença da Câmara?

Qual o registo das visitas e do controlo dos Serviços da Câmara da Moita à Exploração? Em que datas? Com que Relatórios? Com que consequências? Quem veio? Quem despachou? O quê? Como? Porquê?

Situam-se essas lagoas de merda e mijo de porco, algumas delas, a 3 metros de distância da via pública. Está correcta a distância? É isso que reza o Plano Director Municipal da Moita (PDM)? E o que acontece ao infractor, se a lei não é respeitada? Modifica-se a lei? Modifica-se e corrige-se a actuação do infractor? E qual o papel de quem deve cumprir e fazer cumprir a lei, e disso nada cuida?

Assobiamos para o lado, e nada comentamos?

Siga a Marinha!?

O problema da licença de descarga de águas residuais para o equivalente a 1300 animais, tendo como ponto de descarga a linha de água afluente da margem esquerda do rio da Moita

Muitos e muitos milhares de milhões de litros de merda e mijo em estado puro e na sua concentração máxima, tal e qual como são obrados pelo animais, mais as águas de lavagens da exploração todos os dias aos hectolitros e hectolitros, mais as águas das chuvas, por vezes catastróficas como no Inverno de 1995 e em Fevereiro de 2008, tantas vezes apenas torrenciais, tudo bem misturado e de modo explosivo, têm sido gerados ao longo dos anos por esta exploração.

Para onde foram?

Onde estão?

Que é feito de tanta água podre com tanta merda e mijo de porco?

E com os animais em excesso? E que excesso? Todo esse veneno e essa poluição a duplicar, a triplicar, a decuplicar? Como é?

Bem…as Autoridades dizem que a Licença permite que a exploração tenha como ponto de descarga a linha de água afluente da margem esquerda do rio da Moita.

O quê?

Descarga para a Ribeira da Moita, afluente de esgotos industriais e urbanos do do Rio Tejo, essa vala de esgoto a céu aberto que tanto mal faz às terras e aos direitos das gentes da nossa terra?

Como é possível?

Em Portugal, nos anos 90 do século XX e nestes anos do início do século XXI?

Como pode?

Acontece que a Suinicultura fica situada a cerca de 1.080 metros em linha recta da Ribeira da Moita, a caminhar para Nascente, atravessando Propriedade, Casas, Estradas legalmente constituídas, sem que para tal exista nem vala[2] nem conduta de águas, nem natural nem entubada, nem nada que se lhe pareça.

E se existisse tal vala?

Mereceria a Ribeira da Moita e depois a Caldeira da Moita e o Rio Tejo tantos e tantos milhares de milhões de litros de merda e mijo de porco noite e dia, toda uma vida?

Onde é que estamos?

Em Portugal ou na República das Bananas e do surreal?

Obs.:

Sobre a Suinicultura da Barra Cheia, veja-se por favor:

· O caso da Suinicultura (Barra Cheia, Moita): paradigma de um estado venerando e impotente debaixo dos fortes, exigente e arrogante contra os fracos-2

· O caso da Suinicultura -4

· Aparelho de estado local e central organiza dossiers de "licenças para poluir" e distribui-as como "confettis". Atira-as ao ar, para quem as apanhar



[1] …sempre transitórios, em democracia. Sempre dependentes da vontade do povo soberano. “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular…” Constituição da República Portuguesa CRP/1, “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular…” CRP/2, “A soberania, una e indivisível, reside no povo…” CRP/3-1

[2] Em Cartas mais antigas surge a referência a uma Vala de águas pluviais da encosta da Cortageira. Pluviais. De resto, seca 330 dias por ano. Mas, mesmo assim, pluviais. Ver Código Civil Artº 1351º. “(Escoamento natural das águas) 1. Os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente. 2. Nem o dono do prédio inferior pode fazer obras que estorvem o escoamento, nem o dono do prédio superior obras capazes de o agravar, …”


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Neste espaço surgirão artigos e notícias de fundo, pautadas por um propósito: o respeito pela Lei, a luta contra a escuridão. O âmbito e as preocupações serão globais. A intervenção pretende ser local. Por isso, muito se dirá sobre outras partes, outros problemas e preocupações. Contudo, parte mais significativa dos temas terá muito a ver com a Moita, e a vida pública nesta terra. A razão é uma: a origem deste Blog prende-se com a resistência das gentes da Várzea da Moita contra os desmandos do Projecto de Revisão do PDM e contra as tropelias do Processo da sua Revisão, de 1996 até ao presente (2008...) Para nos contactar, escreva para varzeamoita@gmail.com